ESTRELAS CADENTES – FINAL
- Como andam suas leituras, senhor D’Luca? – O reitor Magnus disse, sentando numa cadeira, em frente a escrivaninha.
- Bem, reitor... – Martin estava receoso. Dra-Lukiany parecia sabe que ele estava preste a tocar sua guitarra.
- Bom... Muito bom mesmo... – Disse levantando-se e caminhando em direção à cama onde a guitarra se encontrava. – Nada lhe tem tirado a atenção, espero...
- Não senhor...
- Nada de extraordinário?
- Não que eu me lembre...
Magnus, agora sentado na cama, tinha a guitarra em seu colo, e seus dedos passeavam pelas cordas, porém, sem emitir som.
- Não foi o que ouvi... – Lançou um olhar condescendente para Martin. – Sabe, senhor D’Luca, a Casa dos Deuses é um lugar exatamente igual aos outros, em alguns pontos. Infelizmente, um dos pontos mais óbvios em relação as nossas semelhanças com o mundo lá fora é a rede de boatos. Sabe-se tudo...
Martin, à essa altura, já estava suando frio. Na verdade tinha a sensação de que uma gota de suor lhe corria pela face, indo desembocar em seu queixo.
- Ouvi algumas estórias muito interessantes sobre o senhor e uma certa dama de olhos perspicazes...
- Margrith... – disse, constrangido.
- Ora, rapaz! Não precisa se envergonhar. Todo mundo se encanta por alguém nessa vida.
- É que eu pensei...
- Que havia alguma regra sobre isso também? – Magnus soltou uma gargalhada. – Não. Aqui sabemos que o amor é capaz de operar milagres maravilhosos. Somos a favor do relacionamento entre os internos. Se não fossemos, a Casa seria uma instituição voltada só para mulheres ou homens. A partir do momento em que decidimos ser uma comunidade mista, temos de encarar os possíveis envolvimentos amorosos como algo comum e sábio.
Martin suspirou.
- Contudo, devo lembrar-lhe que o amor, assim como é capaz de operar verdadeiros prodígios na alma humana, também pode ser capaz de ferir. Um amor não correspondido pode ser muito ruim para alguém que já se encontra numa situação como a sua... – Magnus puxou uma das cordas da guitarra.
- Ainda não conversamos sobre isso, tenho algumas perguntas para te fazer: Como espera me ajudar? Como vou conseguir consertar meus enganos?
- Pensei que o senhor estivesse em dia com suas leituras...
- Mas estou!
- Se estivesse, Saberia que o seu, como o senhor mesmo disse, “engano”, só será revertido quando entender as razões que o trouxeram até aqui.
- Já conheço minhas razões. O que quero é uma saída.
- Deveria ter pensado nisso antes de ter vendido sua alma.
- Como eu poderia imaginar? Ninguém nunca me falou nada sobre isso! Sempre imaginei que essa estória fosse só lenda de Rock Star!
- E é uma lenda, Rock Star?
- Não seja Cínico!
- Não se exalte, senhor D’Luca... Isso não te fará bem... – O reitor mantinha sua placidez na voz, habitual.
- Não me exaltar? – Estava possesso – Como não ficar exaltado quando estão atrás de você para lhe roubar a vida?
- Meu Deus! Quanto drama! É por isso que defendo a inclusão de “Fausto” nos currículos escolares... Iria evitar muitos problemas com meninos mimados...
Martin se calou. O olhar de compaixão de Magnus o desarmava. Via em seus olhos que ele não estava ali querendo fazer piada.
- Reitor, - disse, mais calmo – preciso fazer alguma coisa. É a minha vida que está em perigo. – Seus olhos encheram de lágrimas – Quando me falaram sobre esta instituição pensei que aqui encontraria respostas.
- Infelizmente, não temos respostas. Tudo que fazemos por nossos internos é mostrar-lhes o próprio erro e esperar que esse confronto pessoal possa lhe mostrar a saída... Mas isso depende do senhor...
- Então devo me sentar e esperar que aquilo me encontre?
- Não seja ridículo! Lute! E tire da sua cabeça essa estória de que vai morrer e sei-lá-mais-o-que que essa sua mente adolescente possa inventar. O senhor já fez a besteira, ponto. Não existe essa coisa de roubar alma e tudo mais que contam para as crianças comerem as verduras. O que ele quer, já conseguiu: seu desespero. É disso que ele se alimenta. Sua alma imortal já tem dono, e ninguém pode lhe tirá-la. Nem o senhor mesmo...
- Reconfortante...
- Não zombe, senhor D’Luca... Embora ele não possa te fazer mal eternamente, ele pode tornar sua vida um verdadeiro inferno, se me perdoa o trocadilho... Ele vai lhe roubar a paz, até não ter mais nada para roubar.
- Então me deixará livre?
- Não. Tomará seu corpo.
- Meu corpo? – Ouvir isso não foi agradável.
- Ele precisa tomar corpos para poder continuar a procurar outros bobos, como o senhor, que não acreditam nessas "bobagens de demônios"... Agora que já conversamos, preciso ir. Tenho outros afazeres na casa que pedem minha atenção imediata.
- E o que eu faço?
- Acalme-se, continue seus estudos e...
- Não tocar minha guitarra...
- Aprendeu... – deu um sorrisinho irônico – Bem, qualquer coisa, estou na reitoria.
Magnus se levantou e caminhou em direção à porta, detendo-se no meio do caminho, dando meia volta e indo até a cama.
- Eu fico com isso, por enquanto, - disse pegando a guitarra – só por precaução...
- Você ainda não me disse por que não posso tocá-la.
- Você é mais inocente do que imaginava...
Magnus foi embora, deixando Martin sem sua resposta.
Algumas horas depois, Martin ouviu, novamente, batidas em sua porta. Era Margrith, que mal entrou já foi lhe beijando.
- Estava com saudades.
- Eu também. O que fez de bom nesse tempo em que não nos vimos?
- Nada demais... O reitor esteve aqui...
Margrith assumiu uma feição preocupada.
- E o que ele disse?
- Conversamos sobre coisas da minha vida, para ser mais específico...
- Alguma revelação sobre sua estada aqui? Algo sobre nós? – Perguntou meio sem jeito, fazendo cara de tristeza.
- Não... Só disse que se apaixonar era bom. Faria bem.
Margrith sorriu despreocupada.
- E você está apaixonado?
- Você não?
Margrith o abraçou longamente e emendou em um beijo magnificamente apaixonado. Entregaram-se, ali mesmo, aos seus instintos mais primários e consumaram seu amor, sem medo, sem preconceitos ou culpa. Amaram-se como nunca haviam amado ninguém antes. Por fim, ficaram abraçados, admirando seus corpos. Martin ficou intrigado com uma grande tatuagem que cobria boa parte das costas da amada. Um belo dragão estilizado, de asas abertas e olhar matreiro. Martin sentiu um certo desconforto com aqueles olhos que o “observavam”.
- Bonita tatuagem... - disse, contrariando seus pensamentos, para agrada-la.
- Obrigada.
- Quando você a fez? Ela parece tão real...
- Foi um amigo que me fez isso. Já faz muito tempo...
- Ficou muito boa.
- Obrigada. – olhando ao redor. – Onde está sua guitarra?
- Confiscada pelo ilustríssimo Reitor Dra-Lukiany...
- Ele é muito esperto...
- Muito...
- Meu amor, agora tenho algumas coisas para fazer. Que tal a gente se encontrar daqui a duas horas lá no antigo pomar de pêssegos?
- Ok, mas, não quer ficar mais um pouco?
- Não posso... Tenho algumas coisas para resolver... Mas, depois, a gente se encontra, certo?
- Certo, mas não estou satisfeito...
- Bobo... – e lhe deu outro beijo. Margrith saiu deixando Martin sozinho com seus pensamentos sobre como sua vida estava entrando nos eixos.
Lembro que eu estava em meu posto, na torre do sul, quando vi alguma coisa se esgueirando pelas paredes do prédio principal. Não sei bem o que era, só sei que traçava uma trajetória que ia dar direto no quarto do reitor. Era uma coisa grande, com grandes braços (que, pela envergadura, bem que podiam ser asas.), e que se movia com agilidade, mostrando conhecer muito bem aonde ia. O que quer que fosse, tinha um intuito e, acredito, nada o tiraria de sua rota.
Tenho uma visão privilegiada do quarto de Dra-Lukiany, e pude ver quando aquela coisa alada (Sim, agora sei que eram asas!) entrou e caminhava pelo quarto. Pensei em soar o alarme, o que, definitivamente, era o correto a ser feito nestas ocasiões, todavia, Dra-Lukiany já se dirigia para lá e o que quer que fosse aquilo, tenho certeza de que ele saberia lidar. Não podemos por a Casa em alerta por qualquer problema.
Aquilo parou por um segundo. Havia, finalmente, achado o que procurava. Precipitou-se em direção ao objeto que jazia sobre a mesa de estudos e se apoderou dela. Então tudo fez sentido.
O reitor, neste exato momento, entrou no quarto, seguido por Sophia. Lembro bem de suas expressões de espanto, ao se depararem com um legítimo Dragão Azul, forma recorrente dos demônios menores que habitam o limbo. O dragão segurava a guitarra de Martin em suas garras e, ao ser surpreendido pelos dois, bateu suas grandes asas, derrubando alguns objetos pelo quarto.
- O que quer aqui? – Gritou Magnus.
- Venho procurar o que é meu.
- Esse não é o seu lugar. Vá embora!
- Só depois de ter o que vim buscar...
- Você já tem o que procurava. Vá embora!
- Não. Só tenho metade. Mas encontrarei a outra. – E pulou da janela do quarto, alçando vôo, tomando a direção do pomar.
- O que era aquilo que ele tinha em suas garras? – Sophia recobrara a voz.
- Era a guitarra de Martin D’Luca...
- Ainda bem que só levou isso...
- Mas isso, minha cara, era exatamente o que ele não poderia ter.
- Demorei?
- Não, você é sempre pontual.
- Tenho um presente... – disse, estendendo a guitarra para Martin.
- Como você conseguiu?
- Nem me pergunte... Mas, para comemorar, porque você não toca alguma coisa para a gente?
- Não sei... O reitor...
- Não ligue para o reitor! – disse interrompendo. – Ele não está certo o tempo todo.
- Pode ser... Mas e se...
- Não acredito que você está com medo do velho reitor.
- Não é isso.
- Então toque!
- Ok.
Martin ajeitou a guitarra, posicionou os dedos no “braço” do instrumento e tocou. Uma canção que fazia lembrar de casa. Sua casa, sua vida, algo que desde que fizera aquele pacto não teve o prazer de rever. Sentiu-se feliz. Tanto que nem percebia o que acontecia com Margrith. A cada acorde, o corpo de Margrith pulsava, esticava-se, como se fosse explodir. Um urro de dor vindo dela o tirou de sua concentração. O que ele viu o deixou horrorizado: sua amada, a mulher que imaginava passar seus dias junto, contorcia-se no chão e ficava maior. Martin parou de tocar e, sua única reação foi observar, aterrorizado, aquele espetáculo bestial que tinha diante de seus olhos.
- O que está acontecendo?
- Não acredito que você não me reconheceu. – os lábios de Margrith pronunciavam as palavras, mas ela continuava se contorcendo.
- Já nos vimos antes? Do que está falando?
- River Side, 407 – East.
- O endereço da minha gravadora.
- Barney Goldstone.
- O que?
- Barney Goldstone.
Imediatamente, tudo fez sentido. Barney Goldstone. Seu agente. Seu amigo. Aquele que lhe dera a guitarra. Aquele que tinha uma tatuagem exatamente igual a de Margrith. Aquele filho da puta!
Martin percebeu que aquilo que estava em sua frente não era a sua amada, muito menos, um ser demoníaco, porém, um hospedeiro, um transporte para aquele que o procurava. Tentou olhar-lhe os olhos, mas, o que viu não o agradou. Um misto de terror e malícia, obsessão e sofrimento emanavam daqueles olhos que já foram castanhos. Agora, eles eram púrpuras, maliciosos e transmitiam a verdadeira intenção do dragão Azul.
- Feliz em me ver, Astro? - O dragão falava por Margrith, enquanto seu corpo clamava por ajuda, retorcendo-se no chão.
- Não pode ser você! Você não pode estar aqui! O reitor disse...
- O reitor não contava que eu pudesse penetrar nos muros da grande Casa dos Deuses... Magnus é um bom homem e essa sua fraqueza de intelecto ainda será sua ruína.
Martin desabou no chão, ao lado de uma grande raiz de um dos pessegueiros, juntou os joelhos começando uma prece.
- Você está rezando? – o Dragão gargalhava. – Foi isso que te ensinaram aqui? Rezar? Humanos idiotas.
A grande tatuagem nas costas de Margrith se abriu numa ferida. Dela emanava um cheiro horrível que fez Martin ficar tonto e enojado. Ela, agora, jazia de bruços no chão. Martin viu quando sua ferida se abriu ainda mais e, de dentro dela, saíram as asas de seu algoz. O sangue de Margrith escorria abundantemente pelo pomar, espalhando-se como um grande tapete vermelho, que dava boas vindas a criatura dentro dela. Repentinamente, Margrith (ou o que restara dela) ficou de pé. Observando. Sentindo o medo da nova vítima. Os olhos de Martin e da criatura se encontraram. Nem de longe lembravam os olhos de sua amada. Martin estava encolhido junto a raiz de uma das árvores do pomar, imóvel, sem emitir nenhum som. Tudo que podia fazer era ver uma versão de sua amada, agora alada, se aproximando cada vez mais, preparando-se para o bote. Um último beijo. Um beijo que não poderia ser esquecido. Martin podia ouvir a voz do reitor, de Sophia e de mais algumas pessoas que se aproximavam, mas o medo não lhe permitia gritar por ajuda. Então, um beijo selou a união definitiva de Martin com seu destino.
Quando o reitor chegou acompanhado de Sophia e de alguns guardas da Casa, encontraram uma cena poucas vezes vistas nas dependências da Instituição: Martin estava debruçado sobre o cadáver de Margrith, todo manchado de sangue, dilacerando algumas partes do corpo com as unhas e devorando até o último pedaço. Suas costas exibiam uma bela tatuagem de um dragão estilizado...
O reitor ordenou que Martin fosse levado para os calabouços subterrâneos da Casa e que permanecesse lá até que pudessem ajuda-lo. O que restou do corpo de Margrith, após o banquete bestial, foi levado para o cemitério, para ser devidamente enterrado.
- Pobres crianças... – Disse a bibliotecária.
- Cada um deve ter a chance de escolher como vive, minha cara Sophia... - fazendo uma pausa. - E, quanto a isso, não há nada que se possa fazer.
- É uma pena... O que não entendo é como ele conseguiu entrar aqui e causar todo esse estrago.
- Ele já estava aqui. Margrith já foi um dos hospedeiros do dragão e estava aqui para se tratar. Quando ele soube da vinda de Martin para cá, rapidamente se apropriou do corpo da moça novamente.
- Que horror! Mas, o que ainda não consigo compreender é o que a guitarra tinha a ver com tudo isso.
- Ela é só mais um instrumento de desejo usado pelo dragão para iludir as vítimas. Poderia ser qualquer coisa: um livro, uma caneta... qualquer coisa, efetivamente...
- E porque a ordem para não toca-la?
- Ao toca-la, minha cara, Martin estaria renovando seu acordo com a besta. Mas o verdadeiro motivo para não tocá-la era a completa rendição aos desejos de fama do rapaz. No fim, a ordem era muito mais psicológica do que outra coisa. Esperava que, com a superação da vontade de tocar, ele conseguisse se sentir mais forte para enfrentar o monstro.
- O que faço com isso, senhor? – Um dos guardas trazia a guitarra de Martin nas mãos.
- Leve para a Sala de Música. Ponha ao lado do violino de Vincent Dubois. Lá ela estará segura até a hora de ser tocado novamente...
- Bem, reitor... – Martin estava receoso. Dra-Lukiany parecia sabe que ele estava preste a tocar sua guitarra.
- Bom... Muito bom mesmo... – Disse levantando-se e caminhando em direção à cama onde a guitarra se encontrava. – Nada lhe tem tirado a atenção, espero...
- Não senhor...
- Nada de extraordinário?
- Não que eu me lembre...
Magnus, agora sentado na cama, tinha a guitarra em seu colo, e seus dedos passeavam pelas cordas, porém, sem emitir som.
- Não foi o que ouvi... – Lançou um olhar condescendente para Martin. – Sabe, senhor D’Luca, a Casa dos Deuses é um lugar exatamente igual aos outros, em alguns pontos. Infelizmente, um dos pontos mais óbvios em relação as nossas semelhanças com o mundo lá fora é a rede de boatos. Sabe-se tudo...
Martin, à essa altura, já estava suando frio. Na verdade tinha a sensação de que uma gota de suor lhe corria pela face, indo desembocar em seu queixo.
- Ouvi algumas estórias muito interessantes sobre o senhor e uma certa dama de olhos perspicazes...
- Margrith... – disse, constrangido.
- Ora, rapaz! Não precisa se envergonhar. Todo mundo se encanta por alguém nessa vida.
- É que eu pensei...
- Que havia alguma regra sobre isso também? – Magnus soltou uma gargalhada. – Não. Aqui sabemos que o amor é capaz de operar milagres maravilhosos. Somos a favor do relacionamento entre os internos. Se não fossemos, a Casa seria uma instituição voltada só para mulheres ou homens. A partir do momento em que decidimos ser uma comunidade mista, temos de encarar os possíveis envolvimentos amorosos como algo comum e sábio.
Martin suspirou.
- Contudo, devo lembrar-lhe que o amor, assim como é capaz de operar verdadeiros prodígios na alma humana, também pode ser capaz de ferir. Um amor não correspondido pode ser muito ruim para alguém que já se encontra numa situação como a sua... – Magnus puxou uma das cordas da guitarra.
- Ainda não conversamos sobre isso, tenho algumas perguntas para te fazer: Como espera me ajudar? Como vou conseguir consertar meus enganos?
- Pensei que o senhor estivesse em dia com suas leituras...
- Mas estou!
- Se estivesse, Saberia que o seu, como o senhor mesmo disse, “engano”, só será revertido quando entender as razões que o trouxeram até aqui.
- Já conheço minhas razões. O que quero é uma saída.
- Deveria ter pensado nisso antes de ter vendido sua alma.
- Como eu poderia imaginar? Ninguém nunca me falou nada sobre isso! Sempre imaginei que essa estória fosse só lenda de Rock Star!
- E é uma lenda, Rock Star?
- Não seja Cínico!
- Não se exalte, senhor D’Luca... Isso não te fará bem... – O reitor mantinha sua placidez na voz, habitual.
- Não me exaltar? – Estava possesso – Como não ficar exaltado quando estão atrás de você para lhe roubar a vida?
- Meu Deus! Quanto drama! É por isso que defendo a inclusão de “Fausto” nos currículos escolares... Iria evitar muitos problemas com meninos mimados...
Martin se calou. O olhar de compaixão de Magnus o desarmava. Via em seus olhos que ele não estava ali querendo fazer piada.
- Reitor, - disse, mais calmo – preciso fazer alguma coisa. É a minha vida que está em perigo. – Seus olhos encheram de lágrimas – Quando me falaram sobre esta instituição pensei que aqui encontraria respostas.
- Infelizmente, não temos respostas. Tudo que fazemos por nossos internos é mostrar-lhes o próprio erro e esperar que esse confronto pessoal possa lhe mostrar a saída... Mas isso depende do senhor...
- Então devo me sentar e esperar que aquilo me encontre?
- Não seja ridículo! Lute! E tire da sua cabeça essa estória de que vai morrer e sei-lá-mais-o-que que essa sua mente adolescente possa inventar. O senhor já fez a besteira, ponto. Não existe essa coisa de roubar alma e tudo mais que contam para as crianças comerem as verduras. O que ele quer, já conseguiu: seu desespero. É disso que ele se alimenta. Sua alma imortal já tem dono, e ninguém pode lhe tirá-la. Nem o senhor mesmo...
- Reconfortante...
- Não zombe, senhor D’Luca... Embora ele não possa te fazer mal eternamente, ele pode tornar sua vida um verdadeiro inferno, se me perdoa o trocadilho... Ele vai lhe roubar a paz, até não ter mais nada para roubar.
- Então me deixará livre?
- Não. Tomará seu corpo.
- Meu corpo? – Ouvir isso não foi agradável.
- Ele precisa tomar corpos para poder continuar a procurar outros bobos, como o senhor, que não acreditam nessas "bobagens de demônios"... Agora que já conversamos, preciso ir. Tenho outros afazeres na casa que pedem minha atenção imediata.
- E o que eu faço?
- Acalme-se, continue seus estudos e...
- Não tocar minha guitarra...
- Aprendeu... – deu um sorrisinho irônico – Bem, qualquer coisa, estou na reitoria.
Magnus se levantou e caminhou em direção à porta, detendo-se no meio do caminho, dando meia volta e indo até a cama.
- Eu fico com isso, por enquanto, - disse pegando a guitarra – só por precaução...
- Você ainda não me disse por que não posso tocá-la.
- Você é mais inocente do que imaginava...
Magnus foi embora, deixando Martin sem sua resposta.
Algumas horas depois, Martin ouviu, novamente, batidas em sua porta. Era Margrith, que mal entrou já foi lhe beijando.
- Estava com saudades.
- Eu também. O que fez de bom nesse tempo em que não nos vimos?
- Nada demais... O reitor esteve aqui...
Margrith assumiu uma feição preocupada.
- E o que ele disse?
- Conversamos sobre coisas da minha vida, para ser mais específico...
- Alguma revelação sobre sua estada aqui? Algo sobre nós? – Perguntou meio sem jeito, fazendo cara de tristeza.
- Não... Só disse que se apaixonar era bom. Faria bem.
Margrith sorriu despreocupada.
- E você está apaixonado?
- Você não?
Margrith o abraçou longamente e emendou em um beijo magnificamente apaixonado. Entregaram-se, ali mesmo, aos seus instintos mais primários e consumaram seu amor, sem medo, sem preconceitos ou culpa. Amaram-se como nunca haviam amado ninguém antes. Por fim, ficaram abraçados, admirando seus corpos. Martin ficou intrigado com uma grande tatuagem que cobria boa parte das costas da amada. Um belo dragão estilizado, de asas abertas e olhar matreiro. Martin sentiu um certo desconforto com aqueles olhos que o “observavam”.
- Bonita tatuagem... - disse, contrariando seus pensamentos, para agrada-la.
- Obrigada.
- Quando você a fez? Ela parece tão real...
- Foi um amigo que me fez isso. Já faz muito tempo...
- Ficou muito boa.
- Obrigada. – olhando ao redor. – Onde está sua guitarra?
- Confiscada pelo ilustríssimo Reitor Dra-Lukiany...
- Ele é muito esperto...
- Muito...
- Meu amor, agora tenho algumas coisas para fazer. Que tal a gente se encontrar daqui a duas horas lá no antigo pomar de pêssegos?
- Ok, mas, não quer ficar mais um pouco?
- Não posso... Tenho algumas coisas para resolver... Mas, depois, a gente se encontra, certo?
- Certo, mas não estou satisfeito...
- Bobo... – e lhe deu outro beijo. Margrith saiu deixando Martin sozinho com seus pensamentos sobre como sua vida estava entrando nos eixos.
Lembro que eu estava em meu posto, na torre do sul, quando vi alguma coisa se esgueirando pelas paredes do prédio principal. Não sei bem o que era, só sei que traçava uma trajetória que ia dar direto no quarto do reitor. Era uma coisa grande, com grandes braços (que, pela envergadura, bem que podiam ser asas.), e que se movia com agilidade, mostrando conhecer muito bem aonde ia. O que quer que fosse, tinha um intuito e, acredito, nada o tiraria de sua rota.
Tenho uma visão privilegiada do quarto de Dra-Lukiany, e pude ver quando aquela coisa alada (Sim, agora sei que eram asas!) entrou e caminhava pelo quarto. Pensei em soar o alarme, o que, definitivamente, era o correto a ser feito nestas ocasiões, todavia, Dra-Lukiany já se dirigia para lá e o que quer que fosse aquilo, tenho certeza de que ele saberia lidar. Não podemos por a Casa em alerta por qualquer problema.
Aquilo parou por um segundo. Havia, finalmente, achado o que procurava. Precipitou-se em direção ao objeto que jazia sobre a mesa de estudos e se apoderou dela. Então tudo fez sentido.
O reitor, neste exato momento, entrou no quarto, seguido por Sophia. Lembro bem de suas expressões de espanto, ao se depararem com um legítimo Dragão Azul, forma recorrente dos demônios menores que habitam o limbo. O dragão segurava a guitarra de Martin em suas garras e, ao ser surpreendido pelos dois, bateu suas grandes asas, derrubando alguns objetos pelo quarto.
- O que quer aqui? – Gritou Magnus.
- Venho procurar o que é meu.
- Esse não é o seu lugar. Vá embora!
- Só depois de ter o que vim buscar...
- Você já tem o que procurava. Vá embora!
- Não. Só tenho metade. Mas encontrarei a outra. – E pulou da janela do quarto, alçando vôo, tomando a direção do pomar.
- O que era aquilo que ele tinha em suas garras? – Sophia recobrara a voz.
- Era a guitarra de Martin D’Luca...
- Ainda bem que só levou isso...
- Mas isso, minha cara, era exatamente o que ele não poderia ter.
- Demorei?
- Não, você é sempre pontual.
- Tenho um presente... – disse, estendendo a guitarra para Martin.
- Como você conseguiu?
- Nem me pergunte... Mas, para comemorar, porque você não toca alguma coisa para a gente?
- Não sei... O reitor...
- Não ligue para o reitor! – disse interrompendo. – Ele não está certo o tempo todo.
- Pode ser... Mas e se...
- Não acredito que você está com medo do velho reitor.
- Não é isso.
- Então toque!
- Ok.
Martin ajeitou a guitarra, posicionou os dedos no “braço” do instrumento e tocou. Uma canção que fazia lembrar de casa. Sua casa, sua vida, algo que desde que fizera aquele pacto não teve o prazer de rever. Sentiu-se feliz. Tanto que nem percebia o que acontecia com Margrith. A cada acorde, o corpo de Margrith pulsava, esticava-se, como se fosse explodir. Um urro de dor vindo dela o tirou de sua concentração. O que ele viu o deixou horrorizado: sua amada, a mulher que imaginava passar seus dias junto, contorcia-se no chão e ficava maior. Martin parou de tocar e, sua única reação foi observar, aterrorizado, aquele espetáculo bestial que tinha diante de seus olhos.
- O que está acontecendo?
- Não acredito que você não me reconheceu. – os lábios de Margrith pronunciavam as palavras, mas ela continuava se contorcendo.
- Já nos vimos antes? Do que está falando?
- River Side, 407 – East.
- O endereço da minha gravadora.
- Barney Goldstone.
- O que?
- Barney Goldstone.
Imediatamente, tudo fez sentido. Barney Goldstone. Seu agente. Seu amigo. Aquele que lhe dera a guitarra. Aquele que tinha uma tatuagem exatamente igual a de Margrith. Aquele filho da puta!
Martin percebeu que aquilo que estava em sua frente não era a sua amada, muito menos, um ser demoníaco, porém, um hospedeiro, um transporte para aquele que o procurava. Tentou olhar-lhe os olhos, mas, o que viu não o agradou. Um misto de terror e malícia, obsessão e sofrimento emanavam daqueles olhos que já foram castanhos. Agora, eles eram púrpuras, maliciosos e transmitiam a verdadeira intenção do dragão Azul.
- Feliz em me ver, Astro? - O dragão falava por Margrith, enquanto seu corpo clamava por ajuda, retorcendo-se no chão.
- Não pode ser você! Você não pode estar aqui! O reitor disse...
- O reitor não contava que eu pudesse penetrar nos muros da grande Casa dos Deuses... Magnus é um bom homem e essa sua fraqueza de intelecto ainda será sua ruína.
Martin desabou no chão, ao lado de uma grande raiz de um dos pessegueiros, juntou os joelhos começando uma prece.
- Você está rezando? – o Dragão gargalhava. – Foi isso que te ensinaram aqui? Rezar? Humanos idiotas.
A grande tatuagem nas costas de Margrith se abriu numa ferida. Dela emanava um cheiro horrível que fez Martin ficar tonto e enojado. Ela, agora, jazia de bruços no chão. Martin viu quando sua ferida se abriu ainda mais e, de dentro dela, saíram as asas de seu algoz. O sangue de Margrith escorria abundantemente pelo pomar, espalhando-se como um grande tapete vermelho, que dava boas vindas a criatura dentro dela. Repentinamente, Margrith (ou o que restara dela) ficou de pé. Observando. Sentindo o medo da nova vítima. Os olhos de Martin e da criatura se encontraram. Nem de longe lembravam os olhos de sua amada. Martin estava encolhido junto a raiz de uma das árvores do pomar, imóvel, sem emitir nenhum som. Tudo que podia fazer era ver uma versão de sua amada, agora alada, se aproximando cada vez mais, preparando-se para o bote. Um último beijo. Um beijo que não poderia ser esquecido. Martin podia ouvir a voz do reitor, de Sophia e de mais algumas pessoas que se aproximavam, mas o medo não lhe permitia gritar por ajuda. Então, um beijo selou a união definitiva de Martin com seu destino.
Quando o reitor chegou acompanhado de Sophia e de alguns guardas da Casa, encontraram uma cena poucas vezes vistas nas dependências da Instituição: Martin estava debruçado sobre o cadáver de Margrith, todo manchado de sangue, dilacerando algumas partes do corpo com as unhas e devorando até o último pedaço. Suas costas exibiam uma bela tatuagem de um dragão estilizado...
O reitor ordenou que Martin fosse levado para os calabouços subterrâneos da Casa e que permanecesse lá até que pudessem ajuda-lo. O que restou do corpo de Margrith, após o banquete bestial, foi levado para o cemitério, para ser devidamente enterrado.
- Pobres crianças... – Disse a bibliotecária.
- Cada um deve ter a chance de escolher como vive, minha cara Sophia... - fazendo uma pausa. - E, quanto a isso, não há nada que se possa fazer.
- É uma pena... O que não entendo é como ele conseguiu entrar aqui e causar todo esse estrago.
- Ele já estava aqui. Margrith já foi um dos hospedeiros do dragão e estava aqui para se tratar. Quando ele soube da vinda de Martin para cá, rapidamente se apropriou do corpo da moça novamente.
- Que horror! Mas, o que ainda não consigo compreender é o que a guitarra tinha a ver com tudo isso.
- Ela é só mais um instrumento de desejo usado pelo dragão para iludir as vítimas. Poderia ser qualquer coisa: um livro, uma caneta... qualquer coisa, efetivamente...
- E porque a ordem para não toca-la?
- Ao toca-la, minha cara, Martin estaria renovando seu acordo com a besta. Mas o verdadeiro motivo para não tocá-la era a completa rendição aos desejos de fama do rapaz. No fim, a ordem era muito mais psicológica do que outra coisa. Esperava que, com a superação da vontade de tocar, ele conseguisse se sentir mais forte para enfrentar o monstro.
- O que faço com isso, senhor? – Um dos guardas trazia a guitarra de Martin nas mãos.
- Leve para a Sala de Música. Ponha ao lado do violino de Vincent Dubois. Lá ela estará segura até a hora de ser tocado novamente...
9 Comments:
Uma frase cheia de sentimento, consideração e saudades:
- precisamos tomar uma Skol.
|*
Li
una cosita a más: lindo.
e não pára.
Li
Oiê, Doug!
como eu já disse, vc melhorou pacas. Melhorou muito mesmo. Tipo, eu não gostei muito do romance não, mas achei bem inteligente a maneira como vc fez ele perceber a tatuagem, é um bom nó dramático e vc conduziu esse negócio direitinho. Gostei da estória (rsrsrs, li tudinho). Vem cá, aquele final de ele dilacerar e comer o corpo dela é inspirado em algo? rsrsrsrsrs. Brincadeirinha... Vc pretende fazer que nem o Tolkien, que escreveu uma porrada de coisas sobre a Terra Média? Vai escerver várias estórias sobre A Casa Dos Deuses? Se for assim, então Wee! Acho que vou adorar. Bem, um dia eu volto aqui. Beijão.
Caçadora.
Opa... Cheguei atrasada! =(
Perdi alguma coisa? rs. =P
* Doug, to sem palavras... Mto bom mesmo!! Sua criatividade e sua inspiração fazem a minha pessoa sentir-se um ácaro [se é que Eliza me permite tal coisa... rsrsr...] To sem inspiração até pra comentar... =)
** Vc recebeu minha msg? Perdeu o show! Foi mto bom!
Saudades... bjos
=o***
Esqueci de dizer q sou eu ali, ó!!
Kathia Vívian =PP
Esplêndido...desejo, luxúria, e a besta insensatez da juventude...maravilhoso. Aguardo ansioso a próxima história e sua chegada às estrelas.
Kae Loaf Taren - qualquerpecado.blogspot.com
interessante..
mas adimito q gostei mais da ultima parte do conto...
=o]
continue a escrever!
sempre entrarei p/ bisbilhotar aki..
hehe
bjos
calamidade caotica
Amigo Hyde, estou deveras feliz por teres voltado à ativa, mas, quando deleitarar-no-há com um novo post? Ou deixará este blog morrer de fome?
Humildemente,
Mistério.
AAAAAAAAAAAAAAAA! DÁ PRA POSTAR ALGO MAIS AQUIIIIIIIIII? NÃO ACREDITO QUE TÔ GASTANDO MEU DINDIM NUMA LAN PRA NÃO LEEEEEEEEER NAAAAAAAAADAAAAAAAAAAAAAA! PÔ, FAZ ISSO COM OS SEUS FÃS NÃO! QUALÉ? OU VC DESISTE DE TER BLOG, OU POSTA AQUI, C****O!
CAÇADORA IRRITADA COM A SUA PREGUIÇA!
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